Em Cervantes, vemos Dom Quixote nosso de cada dia
PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha
Dom Quixote de la Mancha era o ingênuo fidalgo espanhol Alonso Quijano que, em idade avançada, se entrega à leitura dos feitos heróicos de cavaleiros medievais. Apaixonado e encantado, cria uma interpretação para o mundo. Ele transmite e partilha uma crença a ponto de torná-la coletiva.
Na obra de Miguel de Cervantes (1547-1616), o herói se esquiva ou se retrai para encontrar o mundo, mas não perece, pelo contrário, só faz crer. As viagens se sucedem, as andanças também, e ele insiste em suas desventuras e sublimações.
Sancho Pança, fiel escudeiro de Dom Quixote, busca a ilha prometida para governar. Alonso Quijano, fiel escudeiro de si próprio e do herói a quem lhe deu mundos e fundos, não cansa e não se submete ao que é tido como contraditório e intempestivo.
Desde o lutar contra moinhos de vento julgando-os gigantes até o atacar rebanhos de carneiros por considerá-los um exército inimigo, o sectarismo das normas compõem um quadro no qual o homem vive fora da ordem mundana. Ele está próximo à condição moderna, onde há a pluralidade do real.
A própria inexistência dos cavaleiros comprova pela negação o que o sociólogo e filósofo austríaco Alfred Schütz (1899-1959) defende --o encantamento ilusório no qual Dom Quixote e todos vivem.
Dom Quixote acredita na vontade individual, na ilusão do mundo e em sua própria ilusão ao voltar para casa. Encontra o real, que é o limite.
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"Dom Quixote de la Mancha"
Autor: Miguel de Cervantes
Editora: Planeta