Cantares de Perda e Predileção
Antes do meu passo
É Deus e resiste.
Eu amo a minha morada
A Terra triste.
É sofrida e finita
E sobrevive.
Eu amo o Homem-luz
Que há em mim.
É poeira e paixão
E acredita.
Amo-te, meu ódio-amor
Animal-Vida.
És caça e perseguidor
E recriaste a Poesia
Na minha Casa.
Amavisse
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
4
Devo viver entre os homens
se sou mais pêlo
menos garra e menos carne humana
e não tendo armadura
e tendo quase tudo do cordeiro
e quase nada da mão que empunha a faca
devo continuar a caminhada?
Devo continuar a dizer palavras
se a poesia apodrece
entre ruinas da casa que é tua alma?
Ai!Luz,que permance no meu corpo e cara
como foi que desaprendi a ser humana
7
O Deus de que vos falo
Não é um Deus de afagos.
É mudo. Está só. E sabe
Da grandeza do homem
(Da vileza também)
E no tempo contempla
O ser que assim se fez.
É difícil ser Deus
As coisas O comovem.
Mas não da comoção
Que vos é familiar:
Essa que vos inunda os olhos
Quando o canto da infância
Se refaz.
A comoção divina
Não tem nome.
O nascimento, a morte
O martírio do herói
Vossas crianças claras
Sob a laje,
Vossas mães
No vazio das horas.
E podereis amá-lo
Se eu vos disser serena
Sem cuidados,
Que a comoção divina
Contemplando se faz?