Quando pensamos em livros, rapidamente nos vêm à mente
folhas impressas, unidas entre si e com uma capa, brochura ou capa dura, e
quase podemos sentir o cheiro da tinta no papel recém saído das
tipografias.Quando pensamos em livro, logo nos lembramos de Gutenberg, sua
famosa bíblia e ainda hoje chamamos de incunábulos ( de cuna,berço,origem) os
livros impressos até o ano de 1.500.Nada mais errôneo, pois o livro nasceu na
antiguidade, nos códices,das mãos de seus autores,leitores e copistas.Na
realidade os primeiros impressos após o invento dos tipos móveis foram edições
de obras desses período, muito pouco era novidade editorial,como hoje na internet,com
o computador, a maioria do que se lê são obras em papel que foram
digitalizadas, ou seja,mais uma mudança
de suporte e da forma de se ler, e menos no conteúdo.
Neste livro Guglielmo, juntamente com Tönnes Kleberg e Eric
Turner, reconstroem a trajetória do livro na antiguidade, a partir de
fragmentos de textos, relatos de autores, cartas, anotações e dos próprios
códices e rolos, enquanto objetos.Um maravilhoso e minucioso trabalho de
arqueologia do livro, do material escrito e da própria escrita.As
transformações foram poucas, se consideramos o tempo transcorrido, mas do ponto
de vista estrutural e de conteúdo foram consideráveis.Neste livro veremos
também como muitos dos problemas com que hoje nos deparamos não são, em
absoluto, novidades e acompanham os livros desde o seu nascimento.
A 1° grande
transformação está na escrita que altera
a relação do escritor com o texto,o qual
passa a ser dirigido a uma pessoa ausente.Não há mais o contato pessoal entre
público e autor como nas peças teatrais e discursos orais.Pensamos aqui no
escritor como proprietário intelectual da obra, quem a criava, posto que o
livro manuscrito podia ser copiado pelo próprio leitor, ou por escribas,
portanto escritor não era apenas quem escrevia, fisicamente, mas quem criava, o
autor da obra. Este aspecto é importante na medida em que essa definição de
escritor dará um bom debate sobre direitos autorais, principalmente quando o
livro passa a ser impresso, com maior número de exemplares em circulação.Da
mesma forma que na antiguidade escrever
não é necessariamente sinônimo de autoria, o texto escrito para ter sua
importância precisa ser publicado, ou seja, estar à disposição de um público.
Guglielmo nos conta
que já havia referência na Atenas do séc V aC
de um comércio livreiro relativamente intenso,mas ainda não havia
referência à figura do editor.Em geral era o próprio autor quem revisava e
comercializava sua obra.Só mais tarde
surge o editor, ou a pessoa que assume o risco de comercializar as obras após o processo de compra
dos originais,cópias, revisão e correção dos erros - bastante comuns aliás,
posto que a maioria dos copistas eram escravos treinados para essa função,com
pouca instrução, além de ser comum haver uma pessoa que ditasse o texto para
vários copistas,de forma a aumentar o número de exemplares, com conseqüente
aumento de erros.O editor, que muitas vezes era também livreiro de pequeno
porte, passa então a ser o proprietário da obra,enquanto o autor recebia por
original cedido e não por exemplar editado ou vendido.O interesse do autor em
ter sua obra comercializada através de um editor não era financeiro, mas o de
se assegurar que seu trabalho tivesse o mínimo de erros e evitar adulteração em
seus textos, ou como diríamos hoje, as cópias piratas.
As bibliotecas, no sentido que damos hoje à palavra, e o
comércio livreiro se complementavam.As bibliotecas tinham como missão guardar
obras que se destinavam a pesquisas, e dependiam dos livreiros para aumento de
seu acervo, embora muitas cópias fossem feitas em seus próprios escritórios,
inclusive com comentários científicos. O comércio livreiro por sua vez dependia
das bibliotecas para ampliar seu público e não ficar restrito a um mercado de
consumo imediato.Sempre é bom lembrar que as bibliotecas, além de serem um
local de pesquisas, eram ponto de encontro de estudiosos.
A 2° transformação está na função da escrita, já bastante
difundida, com o texto sendo escrito para ser primeiro memorizado e só depois
lido, assumindo assim o lugar da oralidade, sem no entanto substitui-la.
No aspecto formal, estão as palavras que nesta época já são
escritas da esquerda para direita, mas ainda totalmente unidas, só mais tarde
passariam a ter um sinal gráfico que as dividiria, não em sílabas, mas muitas
vezes apenas para indicar uma pausa de leitura ou para diferenciar falas de
personagens,no caso de peças teatrais.Temos aqui a 1° fragmentação do texto, a
qual materializar-se-á nos códices, quando o rolo(escrita continua)será divido
em páginas,e também o 1° passo necessário para a futura leitura silenciosa,
visual.As várias formas de caligrafia também marcarão os períodos, em especial
com a chegada dos códices.
A 3° revolução dos
livros foi a chegada dos códices,nossos atuais livros que, grosso modo,
permanecem até hoje com o mesmo formato.Os primeiros códices eram voltados para
um público que não tivesse muita cultura, com poder aquisitivo mediano e
caracterizou uma ruptura com a cultura dos rolos, na forma e no conteúdo, o que
significava uma ruptura com a cultura clássica.Podemos dizer que o códice é
fundamentalmente cristão.Os 1° textos eram na maioria textos de divulgação da
doutrina cristã,ou técnicos de baixo valor literário e constituídos por
materiais de baixa qualidade.O formato desses códices era cadernos com número
variado de folhas costuradas, com numeração das páginas na margem direita
superior, como atualmente, predominando o formato retangular com altura maior
que a largura e até o séc III e IV dC com as fibras do papiro na vertical,
posteriormente na horizontal,e margens laterais grandes que serviam para os
leitores escreverem -o que era impossível com os rolos que não tinham espaço em branco fora dos textos
nem deixavam as mãos livres para uso da pena ou outro instrumento.A
encadernação era de madeira ou pele, sem ornamentos.No séc. VdC o formato passa
a ser mais quadrado, com textos escritos em duas colunas e margens
menores.Textos escolares ou rascunhos em geral eram feitos em papiro, enquanto
o pergaminho era preferido para textos do clássico grego, agradável a um
público mais conservador, apegado à cultura dos rolos.
No oriente, em Constantinopla, não havia uma aristocracia
tão desenvolvida como em Roma, a classe média baixa era mais forte, menos
apegada à cultura dos rolos e mais aberta à entrada dos códices, em especial de
papiro.Os formatos são diferentes, em geral mais alargados, mas também com
margens grandes.Por serem na maioria originais usados como matriz para outras
cópias, e por ser o papiro de menor resistência ao manuseio e mais vulnerável
às condições climáticas, esses códices eram rapidamente descartados.
.A partir do Sec IV dC , com a igreja já
institucionalizada,os códices tendem a melhorar de qualidade, pois passam a
representar uma entidade organizada oficialmente. Agora será mais comum
encontrar códices com textos de melhor qualidade e padronizados escritos sobre
pergaminho. A chegada do cristianismo às camadas mais favorecidas trará
mudanças significativas aos códices, que deixam de ser copias feitas por
membros da comunidade, passando a ser produzidos nos ateliês onde se misturam
às cópias de textos literários e profanos.Desta mistura sairão as
iluminuras,antes usadas para ilustração de livros de matemática e geometria,em
textos sacros.O formato predominante será então o quadrado voltando depois a
ser retangular, com predominância da altura duas vezes maior que a largura e
com diagramação em duas colunas. A adesão das camadas mais abastadas ao
cristianismo fará com que os códices passem a ser vistos também como objeto de
decoração,obra de arte, com encadernações de luxo, revestimento em pedras
preciosas e textos com letras ornadas em ouro e prata.Como nos diz Guglielmo,de
difusor da palavra de Deus à ostentação,ao qual se opõem São João Crisóstomo e
São Jerônimo.
A escrita uncial, mais arredondada, utilizada nos textos
bíblicos em latim, foi adotada pela igreja para padronizar um estilo que ao
mesmo tempo a identificasse e fosse de fácil leitura.Na realidade, a uncial foi
criada, posto que não era conhecida no latim ,embora tenha sua origem na maiúscula
grega .O público se diversifica, as publicações passam a ser dirigidas para os
eclesiásticos e muitas cópias passarão a ser feitas nos próprios mosteiros,
substituindo o trabalho dos ateliês. A leitura passa a ser diária, com fins
meditativos.Surgem também os livros de bolso, miniaturas com salmos, muito
usados como amuleto, em especial pelas mulheres e viajantes .
Todas essas passagens de um momento a outro do livro, são
ilustradas com referência a textos, comparações de obras de diversos autores,
tipos de textos – sacros, literários, jurídico.Um livro rico em informações e
muitíssimo agradável de se ler, embora muitas vezes tenhamos que nos certificar
de que se trata realmente da antiguidade, tal a proximidade dos problemas.E
muito nos espanta quando Guglielmo diz haver indícios de que uma tiragem de
1.000 exemplares, manuscritos, não era fato incomum para a época.
Título:Libros,editores y publico en el mundo antiguo
Autor:Guglielmo Cavallo (org.)
Editora:Alianza universidad